Página:Ao correr da pena.djvu/274

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Depois de lembrar este exemplo à minha pena, lembrei-lhe o que já lhe tinha acontecido a respeito do tudo e nada.

Lembrei-lhe que numa das revistas passadas tinha-me comprometido horrivelmente e feito cometer uma injustiça clamorosa contra um dos mais notáveis escritores do Brasil.

E tudo isso produzido por uma vírgula travessa que saiu do seu lugar e foi-se intrometer onde aonde não era chamada.

Eis o caso em duas palavras: Numa das revistas passadas escrevi eu com a melhor boa-fé e sem malícia o seguinte:

"Os homens que falam de tudo e nada, dizem têm aí um belo tema para dissertarem, etc."

Agora, passando os olhos o meu artigo, fiquei pasmo: em lugar do que eu tinha escrito havia uma blasfêmia deste teor:

"Os homens que falam de tudo e nada dizem, têm aí um belo tema para dissertarem, etc."

E por isso vem o homem citando as tais malditas palavras: "Os homens que falam de tudo e nada dizem!"

Eu que sou o primeiro a reconhecer (como ponto de fé, como dogma) a graça esquisita, a fina elegância, o bom gosto, o espírito delicado do sublime escritor do Jornal do Comércio, podia cair naquele contra-senso e avançar que ele fala de tudo e nada diz?

Fala de tudo!... Que insinuação pérfida! Como podia eu dizer semelhante blasfêmia, se ele só fala de si e dos seus amigos?

E nada diz! ... Outra falsidade. Não só diz, mas rediz, repete três e quatro vezes a mesma coisa. Queixa-se sempre de ser obrigado a escrever aquilo de que todos o desobrigam.

Só quem não tiver lido... Que disparate! Pois alguém pode deixar de ter lido o Tudo e nada? Não é possível! Depois da Quaresma, da Páscoa e das confissões, vem o tempo das penitências.

Já vêem os meus leitores que nunca foi minha intenção escrever aquele absurdo. A minha pena, que tem a balda dos calemburgos, fez, sem que eu o sentisse, uma transposição de vírgula, e arranjou-me assim este grave comprometimento.