Página:As Minas de Prata (Volume VI).djvu/274

Wikisource, a biblioteca livre

foi levada a uma cadeira ao lado de sua mãe e aí ficou estática e alheia ao que passava em torno.

De repente viu Cristóvão, trajando com aprimorada elegância, chegar-se a ela trazido por D. Francisco, e saudá-la. A presença do mancebo a reanimou; lembrara-se de suas palavras da véspera, e sentiu o calor da esperança aquecer de novo seu coração gelado. Entanto D. Francisco oferecia-lhe a mão, e seguidos pelas damas e cavalheiros desceram as escadarias e tomaram na direção da capela.

Era noite.

As estrelas recamavam o azul do céu; e as brisas do mar derramavam pelo espaço os perfumes das jaqueiras de Itaparica.

A casa de D. Francisco nadava em luz. Desde o chão até o cimo, cingiam-na coroas de fogos entrelaçadas com os festões de rosas e grinaldas de várias flores.

As árvores mostravam por entre a verde folhagem os globos multicolores das luminárias, que pareciam frutos de rubis e safiras pendentes dos ramos.

Ao longe ressoavam os arpejos da música de envolta com o alegre vozear dos convivas, cuja multidão ondeava pela calçada.

Em sinal de seu regozijo e para dar maior esplendor e animação à festa, mandara o fidalgo que se franqueassem as portas, e mais tarde se distribuíssem comezainas e vinhos ao povo; grande cópia dele, excitada pelo banquete tanto como pela curiosidade, apinhava já os arredores.

Nesse momento um cavalheiro embuçado em negro manto penetrou na pinha de gente que, derivando do edifício principal, se condensava para a asa direita, onde se via armada uma galeria formada com arcos de flores e rases das mais lindas ramagens.

Essa arcada servia de passagem entre o edifício principal e outro de menores proporções, cuja fachada gótica alvejava entre o verde-escuro dos cinamomos à luz das tochas.

O embuçado estremeceu. Esse pequeno edifício era a capela; lá estava a cruz negra a apontar para o céu, e a fumaça do incenso, que enroscava-se em espirais e subia às nuvens.

A seus ouvidos ressoavam como dobres de finado as vozes e chacotas do popular, que parlava das bodas e da formosa noiva.

— Bem me dizia o coração! murmurou o embuçado. Amanhã seria tarde.

Afagando o punho da espada, redobrou de esforços; porém a multidão era de tal modo compacta, que ainda desta vez a sua tentativa foi baldada.

Ligeira ondulação percorreu a turba de uma à outra extremidade. Era o cortejo que atravessava para a capela, e o povo que se conchegava para vê-lo passar.

A donzela movia-se automaticamente; seus olhos feridos pelas luzes das tochas, que iluminavam o altar, deslumbraram-se. Parecia-lhe que não era ela quem andava, mas a capela, aberta como uma cratera de chamas que avançava mais e mais até devorá-la. Assim achou-se aos pés do sacerdote que oficiava, e à direita de um cavalheiro, de quem apenas sentia o vulto.

Ergueu os olhos ao Cristo que dominava o altar; daí abaixou-os ao sacerdote e depois ao homem a quem iam sacrificá-la. Seus olhos cegaram-se de horror; pasma ficou e morta a pupila. O seu desposado era Cristóvão, o homem que na véspera a encorajava