Página:Atravez do Brazil (1923).pdf/207

Wikisource, a biblioteca livre

— Trabalhando. Apesar da minha pouca idade, sou o homem de confiança do dono da fazenda, em que me empreguei. Sou eu, por assim dizer quem dirige tudo, quem faz as compras, e quem paga as contas. Agora vou à Bahia receber um dinheiro do patrão, uns três contos de réis.

— E não tem medo de viajar sozinho, com tanto dinheiro? — perguntou Carlos.

— Não, porque ninguém imagina que um criançola como eu, ande com os bolsos cheios de contos de réis. Sei disfarçar, e até hoje, apesar de sempre andar fazendo estas viagens, nunca me aconteceu cousa desagradável. Uma vez... Mas a locomotiva já apitou... Vamos tomar os nossos lugares, que em viagem lhes contarei a história.

Entraram no carro, sentaram-se, e Alfredo foi logo exigindo a narrativa.

— O caso é engraçado, — começou Manuel. — Eu andava fazendo cobranças entre Curralinho e Cachoeira, e tive de pernoitar numa venda, onde achei uns sujeitos mal encarados, que também lá deviam passar a noite. Levava comigo quatro contos de réis; e, quando me fui deitar, num quarto pequeno, que havia no fundo da casa, tive um pressentimento mal: a porta do quarto não tinha chave, e as caras antipáticas dos dois sujeitos nada de bom anunciavam. Mas, como nunca me faltam expedientes, pus o dinheiro em baixo de uma bacia de rosto, que havia sobre a mesa, deitei água dentro da bacia, e meti-me tranqüilamente na rede, apagando a luz. Dormi; mas, uma hora depois, acordei ouvindo a porta ranger. Tive o cuidado de não fazer um só movimento: abri um pouco os olhos, e vi que eram os