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Sempre eu cuidey, ô Padre poderoſo,
Que pera as couſas, que eu do peito amaſſe
Te achaſſe brando, affabil, & amoroſo,
Poſto que a algum contrairo lhe peſaſſe:
Mas pois que contra my te vejo yroſo,
Sem que to mereceſſe, nem te erraſſe.
Façaſe como Baco determina,
Aſſentarey em fim que fuy mofina.

Eſte pouo que he meu, por quem derramo,
As lagrimas que em vão caidos vejo,
Que aſſaz de mal lhe quero, pois que o amo,
Sendo tu tanto contra meu deſejo:
Por elle a ti rogando choro, & bramo,
E contra minha dita em fim pelejo.
Ora pois porque o amo he mal tratado,
Quero lhe querer mal, ſera guardado.

Mas moura em fim nas mãos das brutas gentes,
Que pois eu fuy: & niſto de mimoſa
O rosto banha, em lagrimas ardentes,
Como co orualho fica a freſca roſa.
Calada hum pouco, como ſe entre os dentes
Lhe impedira a falla piedoſa.
Torna a ſeguila, & indo por diante,
Llhe atalha o poderoſo, & grão Tonante.