Página:Camões Os Lusíadas Page174 87v.jpg

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E verão mais osolhos que eſcaparem
De tanto mal, de tanta deſuentura,
Os dous amantes miſeros ficarem
Na ſeruida & implacabil eſpeſſura:
Ali deſpois que as pedras abrandarem
Com lagrimas de dôr, de magoa pura,
Abraçados as almas ſoltaram
Da fermoſa & miſerrima priſam.

Mais hia por diante o monstro horrendo
Dizendo noſſos fados, quando alçado
Lhe diſſe eu: Quem es tu? que eſſe estupendo
Corpo, certo me tem marauilhado
A boca & os olhos negros retorcendo,
E dando hum eſpantoſo & grande brado,
Me reſpondeo, com voz peſada & amara
Como quem da pregunta lhe peſara.

Eu ſou aquelle occulto & grande Cabo
A quem chamais vos outros Tormentorio,
Que nunca a Ptolomeu, Pomponio, Eſtrabo,
Plinio, & quantos paſſarão fuy notorio:
Aqui toda a Africana coſta acabo
Neſte meu nunca viſto Promontorio,
Que pera o Polo Antariuo ſe eſtende
A quem voſſa ouſadia tanto offende.