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E o Deos que foy num tempo corpo humano,
E por virtude da erua poderoſa
Foy conuertido em pexe, & deſte dano
Lhe reſultou deidade glorioſa,
Inda vinha chorando o feio engano,
Que Circes tinha vſado coa fermoſa
Scylla, que elle ama, desta ſendo amado
Que a mais obriga amor mal empregado.

Ia finalmente todos aſſentados
Na grande ſala nobre & diuinal,
As Deoſas em riquiſsimos eſtrados,
Os Deoſes em cadeiras de cristal:
Forão todos do Padre agaſalhados,
Que co Thebano tinha aſſento ygoal:
De fumos enche a caſa a rica maſſa
Que no mar nace, & Arabia em cheiro paſſa.

Eſtando ſoſſegado ja o tumulto
Dos Deoſes, & de ſeus recebimentos,
Começa a deſcubrir do peito occulto,
A cauſa o Tyoneo de ſeus tormentos:
Hum pouco carregando ſe no vulto,
Dando moſtra de grandes ſentimentos,
So por dar aos de Luſo triſte morte
Co ferro alheyo, fala deſta ſorte.