Página:Camões Os Lusíadas Page217 109r.jpg

Wikisource, a biblioteca livre


A nao grande, em que vay Paulo da Gama,
Quebrada leua o maſto pello meyo,
Quaſi toda alagada: a gente chama
Aquelle que a ſaluar o mundo veyo:
Não menos gritos vãos ao ar derrama
Toda a Nao de Coelho, com receyo,
Com quanto teue o meſtre tanto tento
Que primeiro amainou que deſſe o vento:

Agora ſobre as nuuens os ſubião
As ondas de Neptuno furibundo,
Agora a ver parece que decião
As intimas entranhas do profundo.
Noto, Auſtro, Boreas, Aquilo querião
Arruinar a machina do mundo,
A noite negra & feya ſe alumia,
Cos rayos, em que o Polo todo ardia.

As Alcioneas aues triste canto
Iunto da costa braua leuantarão,
Lembrando ſe de ſeu paſſado pranto,
Que as furioſas agoas lhe cauſarão:
Os Delfins namorados entre tanto
La nas couas maritimas entrarão,
Fugindo aa tempeſtade, & ventos duros
Que nem no fundo os deixa eſtar ſeguros