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D. Quixote é a subida das águas no vazio que o turbilhão formara; Cristo é a ascenção das almas na estrada de luz que a sua passagem incendiou.

A tragédia grega é a luta do homem com a Fatalidade, isto é, das forças de vida contra todos os residuos da evolução amalgamados e condensados num unico bloco de Fatalidade.

Por baixo do mais fácil e gracioso politeísmo corre e flutua um pandemonismo informe, recebendo todas as precipitações residuais do alto.

Hesiodo e Eschylo passeiam entre as sombras; Sócrates e Platão entre as frescas claridades duma manhã de Abril.

Mas Platão sabe que essas claridades podem ser as sombras duma outra luz e a alegoria da caverna vive a chamar a atenção do homem...

A Divina Comédia é o sonho de Jacob em plena vigilia, é a onda iniciada num estremecimento da alma do Poeta e alargando e subindo, penetrando em todos os planos da vida espiritual...

Argonautas do Mistério que elevam a consciência a eternas visões da realidade.

Mas o mais insignificante Poeta é ainda capaz de fixar qualquer fugitivo estremecimento e chamá-lo para a vida no próprio instante em que silenciosamente se ia fenecendo.

 
 

A Arte é um formidável fenómeno de osmose: a alma do artista ressoa de tôdos os estremecimentos da natureza e a natureza é pintada com as tintas da sua alma.

O Universo, é convívio, por isso o artista retribui, e em excesso, tôdas as dádivas que recebeu.

O Mar, o mar dos portugueses, entrou pelas órbitas do Poeta e saiu cantando as oitavas dos «Lusíadas».