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E tão íntimo foi o abraço, tão perfeita a transfusão que o marulho longínquo do Oceano é esta própria fala:

«Bramindo o negro mar de longe brada
Como se desse em vão nalgum rochedo»

Portugal encapela-se em ondas, a sua vida comunica-se e de praia a praia é um abraço cingindo o planeta.

A vida do planeta é convivência no Infinito, a alma de Camões ligou, pelos fios invisiveis da memória, o Mar e a Pátria à vida espiritual do Universo.

As oitavas dos Lusíadas, ondas do mar salgado, são eternos estremecimentos de Memória esculpindo no Infinito a fisionomia espiritual da Pátria.

O homem pertence a vários planos de vida espiritual: é cidadão da sua pátria, membro da sua religião, parcela consciente no Universo.

E cada plano é atravessado pelo esfôrço do homem-consciência para a conservação e para a Memória.

É por isso que em cada plano há névoa e sonho e o homem estremece duma nostalgia inquietante.

O homem é o desterrado de Soares dos Reis...

Se o Universo desde o sábio ao Poeta (e sem que prejulgue o problema Mal) é convívio, a consciência do homem há de procurar as relações cósmicas na companhia das consciências mais próximas.

Eis porque o homem, consciência no Infinito, é cidadão na sua Pátria e une a sua voz à voz de seus irmãos para erguer em côro a própria voz da Pátria. E, como as almas só crescem pelo sacrificio dos desejos de separatividade que as fôrças da Morte nelas insinuaram, o amor da Pátria é a primeira e a mais concreta experiência religiosa das almas.

Mal vai, no entanto, às Pátrias que, vítimas dum orgulhoso isolamento demoniaco, não prolongam o