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sacrifício das almas não alargam os seus estremecimentos de amor até à vida cósmica e infinita.

Se Deus é a própria consciência social, para que esta não pese e adormeça as almas necessario é que cresça e se ilimite em consciência social do Universo.

O amor da Pátria será o amor dos homens e das coisas, encerrando-se em eterno e renovado amor de Deus.

A voz dos portugueses, espessada, avolumando em ampliativos e excedentes abraços, será a epopeia da Pátria levando no seu canto o mar e a paisagem, os homens, a terra e o céu.

As oitavas dos Lusíadas são as ondas do mar levando em espuma as bandeiras das batalhas, trapejando ao vendaval dos heroismos, os sonhos da raça, o amor, Coimbra e o Mondego, os montes, campos e boninas...

A crítica mais ou menos boticária entreviu nos Lusíadas uma mistura do maravilhoso pagão e do maravilhoso cristão.

É tempo de acabar com tanta incompreensão, de dizer bem alto que uma obra de arte é um ser vivo, uma viva consciência salvando para a Memória o fluxo que transita. Jamais será a mistura de mortes e quimeras.

Há nos Lusíadas, como em toda a labareda, uma parte incombustivel que a chama não incendeia e tomba em inerte poeira de cinzas.

Incombustível, quando o coração do Poeta não arde em tão alto fogo devorador que tudo queima.

É a erudição do Poeta, que fornece o alimento à chama, e, se o fogo do pensamento é génio, tudo arde em vivo lume de beleza e eternidade.

Por vezes, sim, por vezes o calor do pensamento não basta a requeimar essa erudição, e então na fluidez das oitavas boiam estátuas mutiladas de deuses mortos e ausentes.

Mas êsse é o fumo que faz toda a labareda humana