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XXIV

Desta arte armada, a multidão confusa
Investe o naufragante enfraquecido,
Que, ao ver-se despojar, nada recusa,
Porque se enxugue o mádido vestido;
Tanto mais pelo mimo, que se lhe usa,
Quando a bárbara gente o vê rendido
Trouxeram-lhe a batata, o coco, o inhame;
Mas o que crêem piedade é gula infame.

XXV

Cevavam desta forma os desditosos,
Das fadigas marítimas desfeitos,
Por pingues ter os pastos horrorosos,
Sendo nas carnes míseras refeitos.
Feras! mas feras não, que mais monstruosos
São da nossa alma os bárbaros efeitos,
E em corruta razão mais furor cabe,
Que tanto um bruto imaginar não sabe.

XXVI

Não mui longe do mar, na penha dura,
A boca está de um antro mal aberta,
Que, horrível dentro pela sombra escura,
Toda é fora de rama encoberta.
Ali com guarda à vista se clausura
A infeliz companhia, estando alerta;
E, por cevá-los mais, dão-lhe o recreio
De ir pela praia em plácido passeio.