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XLVIII

Vi as chagas da própria natureza,
A ignorância, a malícia, a variedade,
E bem reconheci que esta torpeza
Nascer não pode da eternal bondade,
Onde, sem o saber, cri que era acesa
Neste incêndio comum da humanidade
Antiga chama, donde o mal nos veio:
Crer que tais nos fez Deus... eu tal não creio.

XLIX

Também vi que o grão-Deus, que o mundo cria,
Deixar nunca quisera em tanto estrago
A humana natureza; e que a mão pia
De tais misérias ao profundo lago
Havia de estender: como o faria?
Suspenso fiquei sempre incerto e vago;
Mas nunca duvidei que alguém se visse
Que de tantas misérias nos remisse.

L

E como era a maior que experimentava
O ver que livremente o mal seguia;
Que a suprema Bondade se agravava
Donde um homem de bem se agravaria;
Vendo que a afronta, que esta ação causava,
Só se houvera outro Deus, se pagaria;
E impossível mais de um reconhecendo...
Daqui não passo, e cego me suspendo.