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IX

Sinto bem remorder dentro em meu peito
Lembrança, que me acusa: por mim fica,
Se mais bem do que faz, me não tem feito,
Que é néscio quem o ingrato benéfica.
Outro povo talvez mereça eleito
A assistência dos céus de graças rica;
Nem contra Deus se justifica a queixa,
Que costume deixar quem o não deixa.

X

Mas, se do trono celestial e eterno,
Apesar da malícia, nos visita,
Quem sabe se por zelo hoje paterno,
A nosso bem mandar-te aqui medita?
Pois creio bem que contra o fogo Averno
Trazes a chama que a do raio imita,
Ou que vens como luz, de etéreo assento,
Por levar-nos contigo ao firmamento".

XI

Pasmava o lusitano da eloqüência
Com tão alto pensar numa alma rude,
Notando como a eterna sapiência
A face a todos mostra da virtude.
E reputava por maior clemência,
Que a quem, se a fé conhece, ingrato a ilude,
Negasse Deus a luz, que os outros viam,
Porque, tendo-a maior, mais cegariam".