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CARTAS DE INGLATERRA

braços morrendo-lhe da falta de leite, e o cão ao lado, tão magro como ella, ladrando em vão por soccorro...

Os males da Irlanda, muito antigos, muito complexos, provêm, sobretudo, do systema semi-feudal da propriedade.

O povo irlandez é numeroso, exageradamente prolifico (nem a emigração, nem a morte, nem as epidemias, alliviam esta ilha muito cheia) e vive n’uma terra pobre, de cultura estreita, apenas no seu terço trabalhada: os proprietarios, lords inglezes ou escocezes, sempre ausentes das terras, não admittindo a despeza d’um schelling para as melhorar, estão em Paris, estão em Londres, comendo pecegos em janeiro, e jogando pelos clubs o whist a libra o tento: os seus procuradores e agentes, creaturas vorazes, sem ligação com o solo nem com a raça, forçados a remetter incessantemente dinheiro a SS. SS., interessados em conservar a procuradoria, cáem sobre o rendeiro, levantam-lhe a renda, forçam-n’o a vendas desastrosas, enlaçam-n’o na uzura, tributam-n’o feudalmente, apertam-n’o com desespero como a um limão meio secco, até que elle verta n’um gemido o ultimo penny. Se o miseravel este anno, fatigando o torrão, sustentando-se de hervas seccas, economisando o lume quando ha seis palmos de neve, consegue arrancar de si a som-