braço omnipotente que obriga os juízes a condenarem, a despeito das quarenta testemunhas que no tribunal se afrontam com o inimigo misterioso do prêso.
A vida do obscuro criado de certo fidalgo não podia ser tam preciosa quanto a condenação inculca, já mais se o conjurado na morte dêle é fidalgo de tanto tômo e com tantos serviços assinalados.
Não se dispensa, pois, que D. João IV seja o perseguidor mal rebuçado que de dia para dia vai engrossando os ferrolhos que encarceram o seu, já noutros tempos tam fiel amigo e partidário. Vem logo a tradição desvelar o segrêdo, referindo que o rei, concorrendo à mesma dama com D. Francisco, se travara com êle, no escuro de um pátio, e, de espada arrancada, disputára o acesso ao camarim da requestada.
Dado que assim fôsse, ¿ que tem que vêr o assassínio de Francisco Cardoso com o recontro nocturno do rei e do fidalgo ? ¿ Desceria D. João IV a solicitar dos magistrados que o desforçassem, colorindo a vingança ? ¿ Revelaria o seu desonesto segrêdo, tendo à real mão outros expedientes de vingança mais sumários ? ¿ Não se teria dito no processo, ou não diria D. Francisco Manuel no Memorial que razões de suspeita puderam incriminá-lo na morte de Francisco Cardoso ?
É escureza que a tradição deixou entenebrecer-se mais com o dobar dos anos. Se alguns genealógicos a puderam desfazer, enfreou-os o respeito, o mêdo, a transigência com certos decoros, sinónimos de certas desonras. Não obstante, como os linhagistas, fechados em seus gabinetes, não se temiam de escrever as volumosas costaneiras que hoje os seus descendentes trocam a romances, ou por um jantar ― veniaga mais digna de indulto ― aconteceu que a história do autor da