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CARTA DE GUIA DE CASADOS

Lembra-me que, estando em Madrid, tinha uma vizinha muito brava, que pelejando um dia, como sempre fazia, não cessava de dizer ao marido, e com verdade : Hermano, soy muy honrada ; e êle respondia-lhe : Pues anda a Dios que te lo pague, que a mi cuenta no está el pagarlo, quando lo seas, sino el castigarlo quando no lo seas.

A segunda, porque não só a honra de seus maridos se perde por sua descontinência, mas não menos pelas ocasiões a que põem os homens por muitos outros excessos que cometem. Foi assim graciosa, mais que segura, a opinião de certa pessoa, que ninguém tanto sofria como quem tinha bôa mulher, bom criado, e bôa cavalgadura. Porque à conta de bôas peças cada uma fazia sua vontade, e nunca a de seu dono. Não fôsse ora por isso o dizer a chocarrisse castelhana : Buena mula, buena cabra, buena hembra, son tres malas bestias.

As mulheres de rija condição, a quem comummente chamam bravas, são as que menos cura tem ; porque até da temperança do marido, que era a sua melhor mèzinha, tomam causa de se demasiarem ; sendo já antigo, que o soberbo se faz mais insolente à vista da humildade ; o bravo se enfurece diante da mansidão. A violência e o castigo não tem logar na gente de grande qualidade. Pelo que já disse um muito discreto, que entre as cousas, que os vilãos traziam lá usurpado aos fidalgos, era uma, o poderam castigar suas mulheres cada vez que lho mereciam.

Pouco mais remédio sóem ter estas tais condições, que uma grande prudência com que se atalhem. Aconselharia a aquele a quem tal sucedesse, se apartasse o possível de viver nas côrtes, e grandes logares. Quem grita no despovoado, é menos ouvido. Atalham-se assim