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CARTA DE GUIA DE CASADOS

gunto : Se para despedir, e lançar de sua casa um criado, a mulher casada por si não tem bastante autoridade, porque a quererá ter para despedir, e lançar fóra de casa sua fazenda, em que consiste o bem, e repouso de amos, e criados !

Para a que fôr ferida dêste mal, é necessário armar de um grande recato, e vigia ; e assim como quem navega se teme muito mais de abrir uma ferida no casco do navio, por onde sem dúvida se irá a pique, do que se se lhe abriram outras muitas pelo bordo, que vai fóra da água ; assim não é tam perigosa a uma casa outra qualquer desordem, nem lhe ameaça ruína, como o excesso da mulher gastadora, e desregrada ; porque como êsse defeito jaz dentro na água (dentro digo do próprio cabedal) por ali logo se vai ao fundo a família inteira.

Umas há destas apetitosas, e que por tu bonifrate venderão um padrão de juro da câmara. É defeito que compreende não só as grandes senhoras (antes nelas menos perigoso, e mais desculpado) mas até à gente de pequena condição. Sucedeu, estando em Madrid, vir a minha casa com grande ânsia a mulher de um, obreiro a pedir, que sobre dos savanas le prestasen doze reales ; e perguntando-se-lhe, qual era sua necessidade : Ai señores, disse, que tengo concertadas a comprar media dezena de hijos de azavache lindissimas, y si agora no las tomo, no sé quando podré despues heverlas. Sofre-se melhor um dêstes desmanchos, quando não é costume. Na môça é tolerável, na mulher condenável. Saiba tôda a mulher, que o mundo é maior que seu apetite, porque não queira fazer-se necessitar de quanto vir, ou ouvir. Deus nos guarde de umas, que fazem certo aquele rifão bem vulgar, mas muito próprio: A minha filha Tareja, quanto vê tanto deseja. Responda-se-lhe nesta razão: