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CARTA DE GUIA DE CASADOS
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rasa. Digamos alguma cousa da mulher ; e depois apontaremos como deve usar de tudo.


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A espôsa


Meu ânimo (segundo já deixo dito) não foi aconselhar como deve casar-se ; que o acêrto de v. m. me livrou dêsse trabalho ; podendo por êsse exemplo aconselhar a todos como era bem que casassem ; se forem tão venturosos que assim possam.

Para o que já casou, e supomos bem casado, é que ajuntamos aqui estas advertências.

Perguntou alguém, algumas vezes, se seria lícito deixar usar a mulher própria daquelas bôas partes de que a dotou a natureza ; como o cantar, o dançar, e ainda o fazer versos, e outras semelhantes prerrogativas, que em algumas se acham, e em muitas pudera haver, se o receio as não suprimisse.

Certamente, que se v. m. me fizera esta pergunta, me vira eu em grande enleio ; porque o aniquilar em qualquer pessoa as perfeições que Deus lhe deu, impiedade parece ; fazer-lhas exercitar naqueles limites que a prudência requer, parece impossível.

Dizia a êste propósito a princesa de Roca-Sorion em França, que foi discretíssima, e não bem casada : Que das três potências com que entrára em poder de seu marido, duas lhe tomara êle, e lhe deixára uma só, que ela lhe dera bem fàcilmente. Porque nem a potên-

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