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PRÓLOGO
XV

uniformes variados e scintilantes: escarlates uns, verdes outros, alguns cobertos de passamanes multicores, outros ostentando os brasões heráldicos dos generais, — e caracolando em volta, e exercitando-se nas cargas impetuosas, e desennovelando-se como longas serpes reluzentes, as companhias de cavalos, com os seus pelos oficiais, moços quási todos, cujos olhares atrevidos e cúpidos iriam por vezes alvoroçar estranhamente, através das rejas do balcão — se é que as tinha já, — o bando das pombas do Senhor.»

Àquela como que aparição de encanto, seguem-se os capítulos rápidos e ardentes da novela amorosa (1666-1667). Chamilly tem 30 anos; Mariana 26. Chamilly, segundo Duclos, é bem parecido, elegante; é militar ousado; a sua farda esplende. Arteiro de certo em aventuras de sabreur fidalgo e decorativo; intelectualmente quási bronco, conforme se depreende de Saint-Simon. Tudo vantagens! Já Sainte-Beuve ambicionava uma farda, vendo-se provàvelmente ao espelho, calvo, com aquela fisionomia de sacristão solerte.

Nós estamos a vê-lo, ao herói das Cartas, aparecer depois, deslumbradoramente, aos olhos namorados de Mariana — na penumbra da igreja, a cabeleira fulva em aneis, na mão o largo chapéu de plumas variegadas… Era uma clara mancha de vida e de sangue moço, a arder na luz frouxa e mística. Todo êle devia de resplandecer, tocado da beleza em que o amor enquadra as aparições maravilhosas. Aquele homem de guerra, que ela veria do côro austero, onde os lampadários bruxuleavam como soluços, onde as grandes estantes de cantochão bocejavam, era um pouco a vélha esfinge tentadora e demoníaca (e quási sempre, por isso mesmo, intensamente humana); era a expressão da vida, misteriosa e marulhosa, uma