Página:Cartas de amor ao cavaleiro de Chamilly.pdf/191

Wikisource, a biblioteca livre
CARTA DE GUIA DE CASADOS
165

que lá vão, assim pelas palavras, que vem do juízo, sabemos o que lá vai.

Elas já sei que me terão por suspeito ; pois até os movimentos lhe hei-de medir. Uma das terríveis cousas que há na mulher é usar de meneios descompostos. Sei que nem tôdas podem ser airosas ; mas graves, tôdas o podem ser. Faz grande dano uma maldita palavra, que se nos pegou de Castela, a que chamam despejo, de que muitas se prezam ; e certo que, em bom português, despejo é descompostura. Outra explicação lhe ia eu a dar, mas esta baste. E claro está, que o despejo é cousa ruim, porque o pejo era cousa bôa. Nada disto se lhe perdôe : sendo, senhor meu, tam importante que êstes costumes exteríores andem concertados, como é a formosa frontaria a um nobre edifício, para que se tenha por nobre.

¿ Ora do riso que diremos ? Pois se elas tem bons dentes, e aquilo que chamam graça na bôca, e cova na face, aí lhe digo eu a v. m. que está o perigo. Há mulher destas, que rirá a todo o sermão da Paixão, como se fôsse ao de dia de Páscoa, sòmente por assoalhar aquele seu tesouro. Não disse Platão, nem Séneca, cousa melhor que o que disseram as nossas vélhas : Muito riso, pouco siso.

Longe estou de persuadir à mulher que seja melancólica ; porque antes a sempre triste induz pouca satisfação de sua vida. Alegre-se, e ria-se em sua casa, à sua mesa, e na conversação de seu marido, filhos, e familiares, deixe o riso em casa, quando fôr fóra, a modo da serpente que vomita a peçonha primeiro que vá beber, e depois que bebe, torna outra vez a recolher a sua peçonha. Venha para casa, e tome a sua bôa graça.