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CARTA DE GUIA DE CASADOS

A reformação dos costumes cousa é boníssima, e santíssima. Tem porém nas casadas seu limite ; de maneira que por se darem de todo a aqueles bons exercícios, não desamparem os da obrigação de seu estado ; no qual Deus deixou virtude e santidade bastante para que, sem saírem dêle, se possam salvar todos, e tôdas, a quem compreende.

Andam pelo mundo espalhados uns homens, e mulheres, que fazem profissão de mestres de virtude, de que verdadeiramente nem são discípulos. A êste fim arrebatam, sem alguma prudência, os ânimos singelos, e piedosos das senhoras, e gentes principais, que às vezes guiam tam mal, como nos mostram mil exemplos, e como êles a si se tem guiado.

Convém que a casada tenha seu confessor certo ; e êste seja pessoa grave, e conhecida, e daquelas religiões que mais florecem no logar onde viver. Muitas senhoras de grande estado vi confessar com os curas, e párocos de suas freguesias, que quando êles sejam homens doutos, e sisudos, julgo por excelente costume. Pois como até na eleição de confessor pode haver desacêrto, discreta resignação, e desconfiança seria não fiar de seu juízo cousa tam importante, e seguir aquela que a igreja tem feito, entregando sua consciência à pessoa a quem as entrega aquele a quem Deus, e seu Vigário as tem entregado.

Tenham as senhoras tôda a piedade, e compaixão dos pobres, e afligidos. Mas umas devoções a beatas, e beatos extravagantes, não levarão jàmais meu parecer. Senhor N., freiras veleiras, que não sejam as serventes dos conventos conhecidos, vélhas alumiadas, gentes professoras de novidades, que trazem orações, e devoções de tantos dias, com tantas candeias, e de tal