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PRÓLOGO
XVII

ramente amada. E amou, amou desvairadamente. As suas Cartas teem qualquer coisa ígnea… Há períodos que ficam nos corações que amaram como um soluço imenso… Mas por entre êsse sofrimento tumultuário, que as torna por vezes estranhamente incoerentes para os analistas tranqüilos, como são fundas e admiráveis aquelas suas palavras: — «Terias experimentado que se é mais feliz, e que sentimos alguma coisa muito mais intensa quando amamos violentamente, do que quando se é amado…»

Chamilly jogava quási a frio. Un caprice de garnison, como diz Maxime Caucher. É o que se averigua da sua atitude sêca, quando parte, da óptima disposição em que faz a viagem, do seu silêncio, da própria publicação das Cartas logo que chega a França, do seu futuro casamento com uma senhora excelente, rica e feia. Homem prático, Chamilly. Neste ponto de vista amoroso era um aventureiro antipático. Não tem volta a dar-lhe o sr. Beauvois!

«Conheço agora a má fé de todos os teus transportes. Atraiçoavas-me sempre que dizias que o teu supremo encanto era estares comigo a sós. Consideravás a minha paixão apenas como uma vitória; o teu coração nunca foi profundamente penetrado por ela. Tinhas planeado, a sangue frio, incendiar-me de paixão!» Que mais querem? É uma sedução em forma: uma burla de amor.

E Mariana entrega-se, porque ama profundamente. A paixão absolve-a, e touca-a de flores eternas. Caiu, mas «num leito de circunstâncias atenuantes», como Donnap se exprime a propósito de Armanda Béjart. Mas no drama da Freira portuguesa há muito mais do que isso: há a divina labareda amorosa que a purifica entregando-se.