Página:Cartas de amor ao cavaleiro de Chamilly.pdf/234

Wikisource, a biblioteca livre
208
CARTA DE GUIA DE CASADOS

e onde convém que saibam melhor o que fazem ; cousa, que raramente sabem fazer os nossos.

Achei-me na côrte de Londres, em casa dos embaixadores de S. Majestade a aquele trágico rei Carlos I ; e havendo-se de dar ali uma ceia às damas da raínha, e às maiores senhoras de Inglaterra, suposto que na casa se tinha mui decentemente preparado aqueles ministros ; eu que sou assim proluxo, e não vi em nenhum de seus criados a arte necessária para tal ministério, o tomei à minha conta ; e com um filho, e um neto de um embaixador, o genro de outro, e o secretário da embaixada, o negócio se dispôs de feição, que se deram as convidadas por melhor servidas ainda do que regaladas. Tanto importa o saber servir às mesas nobres, que verdadeiramente é a principal iguaria delas ; mas entre nós poucas vezes achada ; e também digo que nem muitas achada menos.

Acabo isto com o exemplo de S. Majestede, que põe fim a tôdas as razões, e esforça a minha ; pois podendo ser servido de seus criados, os deixa, e certo que com grande acôrdo, e se serve com as damas, e criadas da rainha. Tenho para a pessoa de qualquer estado por mais limpo, e quieto modo de servir à mesa, aquele das mulheres, ainda que não sejam anjos as que ministrem. E por isto dizia um convidado de uma sua parenta, que o fazia servir de duas criadas, uma feia, e outra bem parecida : Senhora, cá viera todos os dias, se a feia só me servisse ; porque estoutra é anjo, que me deixa anjo.

Já que aqui estamos, diga-se (pois também importa) que não se côma desorado ; quero dizer, fora de tempo. É grande inconveniente para as pessoas a quem assistem seus criados. Quando o ministério, o ofício, ou