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CARTA DE GUIA DE CASADOS
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dos vizinhos deixa de vir cada dia : pelo que disse com a graça que costuma, um nosso discreto, que o côche de fulano ia três vezes cada ano a Jerusalém, lançando as contas certas às léguas que andava cada dia o côche e seu dôno, indo e vindo de outra tal paragem.

Os grandes cortesãos fazem a vivenda do campo aborrecível, que ela de seu não é ; antes alegre, e conveniente. Sendo um convidado de certo fidalgo para estar com outros em uma sua quinta dous dias, ao segundo sem se despedir dos companheiros, tomou o caminho da cidade ; gritavam-lhe os mais, que se detivesse, e como o fizesse assim, e lhe perguntassem aonde ia, respondeu : Amigos, vou-me, porque se estou mais de vinte e quatro horas no campo, cuido que me torno boi.

Julgo por importante acção não viver de contínuo na côrte, e me parece que há uns tempos próprios de se retirar (o casado com sua família) a viver no seu logar, comenda, ou herdade ; enfim aquela parte que mais cómoda fôr para a vida. Se hei-de apontar regras a êste tal retiro, dissera que tendo o casado mais de dous filhos, era o próprio tempo. E que os anos da ausência da côrte podiam bem ser aqueles enquanto os três filhos crescem, e não perdem por não ser conhecidos até então ; como se disséssemos, até idade de oito, e dez anos.

Depois é bom tornar à côrte a introduzi-los nela, para que o rei os conheça, e êles se criem sem espanto dos paços, que sem dúvida o causam aos que os não viram desde a mocidade, como se diz das águas do Nilo, cujo estrondo é medonho ao forasteiro, e do natural não é ouvido. Dizia o Duque de Alva, pai do que hoje