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XX
PRÓLOGO

tão do nome, da mocidade, da gentileza, outra coisa mais duradoira e mais bela — a bondade divina e contagiosa. Por isso a desventura a nimba de rosas tristes a esfolharem-se… No convento não se agastam contra a «pecadora»: pelo contrário, a acarinham. Fazem-na porteira, para a distraírem. É inútil. Como o náufrago, que se agarra a uma tábua pôdre que flutua, ela enleva-se ainda ouvindo o nome de seu amado; e de certo nos seus ouvidos perpassa uma doce música àquele nome pérfido, como nos êxtasis religiosos. Algumas freiras mais compadecidas falam-lhe dêle muitas vezes — e Mariana deixa-se ainda sonhar num embalo mágico, como deveria ser o das sereias aos vélhos nautas jónicos.

Mas o tempo passa; a juventude passa; as ilusões desfolham-se. Êle não voltará de França! E Mariana começa a sentir na alma cândida os estremecimentos dum remorso — à maneira dum vento frio que encrespa um pouco as águas duma lagoa limpida… Então começam também, certamente, aqueles «trinta anos em que fez ásperas penitências», segundo reza um documento a seu respeito. Como se ela tivesse pecado! E cada vez a sua bondade é mais vasta, e é mais profunda e bela a sua tristeza!

Como acontece com suas irmãs, como em regra com os Alcoforados, é grande a resistência física de Mariana. Doente, penitenciada, melancólica, ela passa na clausura tocada duma claridade singular... Essa paixão foi uma tempestade oceânica; é-o ainda durante um longo escoar de tempo; no entanto Mariana vai sentindo, a rasgar-lhe os negrumes do drama, a réstia de luar etéreo que lhe alumia e transfigura a vida inteira. Oiçam o que ela diz no fecho da terceira Carta, a mais bela, talvez: — «Agradeço-te, contudo, do fundo do meu coração, o deses-