Página:Cartas de amor ao cavaleiro de Chamilly.pdf/240

Wikisource, a biblioteca livre
214
CARTA DE GUIA DE CASADOS

casei, vêde vós como posso ser viúva. Replicáva o outro, que sim o era, porque conhecera em tal parte o senhor fulano seu marido ; e ela tornara : Senhor, digo-vo-lo porque eu casei por procuração, e fui casada por carta ; e isto não é ser casada. E era assim, que pelas ausências de seu marido apenas o conhecêra.

Se estamos sós, senhor N., hei-de contar a v. m. uma história de mancebo, que ouvi em Barcelona. Havia ali um fidalgo casado de pouco, cujo nome era Mosen Gralha. Passou o imperador Carlos V para Itália, e o seguiu êste catalão a despeito de sua mulher môça, formosa, e honrada. Engolfou-se o marido em serviços, e esperanças, e não fazia conta de vir tam cedo. Enfadava-se a mulher, e lhe requeria muitas vezes que viesse ; mas desesperada já da vinda, dizem que lhe escreveu em catalão estas palavras : Mosen Gralha, Mosen Gralha, mon amor non manja palha. Tomou o soldado a carta, levou-a ao imperador que lha interpretasse ; o qual conhecendo o que queria dizer (que é fácil de conhecer-se), e fazendo-lhe mercê, gabou a confiança, e discrição da mulher, e mandou para sua casa seu marido.

Mosteiros, recolhimentos, e outros resguardos semelhantes, em que os homens depositam suas mulheres, não deixam de ser arriscados ; e de-certo, quando a ocasião não seja muito urgente, é usar com as mulheres ruim lei, e faltar-lhes com a fé, e companhia devida ; porque se cada uma daquelas quisera ser freira, bem escusara de se casar.

Advirta-se todo o casado, que no ausentar-se por longo tempo de sua casa tenha muito tento ; e seja raro o interêsse porque assim o faça. Disputável foi entre os políticos, se convinham, ou não os capitães casados,