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CARTA DE GUIA DE CASADOS
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que a mulher honrada havia de ser uma boceta, em que se guardassem os secretos mais íntimos de seu marido ; e que êsse era dos maiores bens do casamento, achar um homem na mulher um coração fiel, com quem poder repartir dos cuidados, e ânsias, que às vezes não cabem no coração do homem, com a mesma confiança que se não saíssem de seu ânimo ; e que tudo o contrário era um amar fraudulentamente.

Isto era o que eu cuidava ; mas não é isto o que hoje creio, nem o aconselharei a meus amigos: antes me tem mostrado a experiência, e maior observação, que alcancei com os maiores anos, e com os novos casos, que contra êsse mesmo amor, e legalidade, que à mulher própria se deve, irá aquele que lhe fiar segredos, e paixões à sua capacidade aventajados.

Parece-me a mim agora isto como quem põe meada grande em dobadoura pequena, que em lhe puxando pelo fio, traz o fio a meada, e a dobadoura, tudo a terra. Senhor meu, se carregarmos uma caravela com o lastro de um galeão, metê-la hemos no fundo. Os segredos que se fizeram para os grandes corações, fiquem-se nêles. E traga-se sempre presente aquele notável dito do outro : Nunca me arrependi do que não disse.

Porém, pois em tudo vou pondo dos meus unguentos, saiba-se que não julgo as mulheres por de todo indignas de que se lhes confie alguma matéria importante. E assim, se houvéssemos de medir pela razão êste negar, ou fiar segredos, diria : Que as paixões próprias eram, e são, dignas de lhes serem comunicadas. Os pontos da honra, os mistérios do ofício, as confianças do rei, as resoluções da república, estas deve reservar o casado em seu peito indispensàvelmente.

Se eu posso dar regras, melhor regra será esta : Po-

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