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CARTA DE GUIA DE CASADOS
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tade, que é nesta demanda o autor ou réu, raras vezes se governa por essas regras ; e de casamentos sem vontade não há que esperar contentamento.

Seja livre a eleição do estado dos filhos ; mas de tal sorte livre, que seus pais os estejam sempre inclinando a aquele que lhes convém. Sejam então seus conselheiros, não seus senhores.

Mas filhas é grandíssimo perigo ; porque havendo trazido a vaidade humana umas leis (certo tiranas) contra a honra, portes, e virtude, e só em favor do interêsse ; sucede de ordinário que nas casas ilustres, e grandes, onde há muitas filhas, apenas pode haver dote com que casar uma como convém. Ficam logo as outras condenadas a perderem por fôrça a liberdade, e haverem de tomar estado que não desejam, e violentíssimamente sofrem.

O remédio dêste dano é quási sem remédio ; porque seria necessário emendar primeiro tôda a república, e os maus costumes dela. Se nos houvéssemos de governar por exemplos passados, vimos que muitos grandes homens, achando-se ricos de filhas, se fizeram maiores nas descendências, e a elas não violentaram. Recolheram na religião as que a pediam : casaram que o desejavam. Nêste caso, parece que o pai de muitas filhas se pode contentar não abaixando, sem que procure subir ; que mais claramente é dizer-lhe, poderia casar suas filhas com pessoas que lhas pedissem para se honrar com tais mulheres ; e não querendo achar para genros homens com que se honrasse. Basta que se não desonrasse com êles. Isto não é sempre nem para todos ; nem lhes nego a todos que procurem o melhor ; mas amoesto que se acomodem com o possível.

Guardaram esta matéria de estado muito notáveis