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CARTA DE GUIA DE CASADOS

pessoas dêste reino, que pudera nomear, se não fôra aqui escandalosa a comparação : fazendo memória de algumas desigualdades, que depois igualou o tempo, e a fortuna.

A valia dos príncipes, a grande riqueza, o valor notável da pessoa nas armas, ou nas letras, quando seja acompanhado de limpeza de sangue, realçam as qualidades dos homens de sorte que os fazem merecedores de se poderem aparentar com os maiores ; e a êstes dão confiança para se deixarem aparentar com êles.

Dizia um grande senhor em duas palavras tudo o que aqui há que dizer : Que com seus filhos haviam de ir rogar seus pais, para serem bem casados ; e para suas filhas haviam de ser rogados, para serem bem casadas. E outro, não menos entendido, costumava dizer : Que as bôas partes eram chapins da qualidade, que faziam crescer as pessoas de sorte que muitas vezes igualavam os pequenos com os grandes.

Falta-me aqui por advertir alguma cousa a umas certas mães, e não sei se a alguns pais, que dão seus geitos às filhas para que se casem ; particularmente a aquelas de bom frontispício, largando-lhes para êsse efeito um pouco a rédea do recato.

Digo de mim, que sou austeríssimo nesta matéria. Se a houvesse de julgar conforme meu natural, não acabára nunca de condená-la. Vemos contudo pelo contrário tantos exemplos, que parece tem já tirado o horror que nela acharam outros. Fóra de Espanha é tam ordinária esta arte (em Flandres especialmente) que os galanteios são permitidos, e devidos, e chega a tanto, que os pais, e mães vem a ser os mestres das filhas, a quem aconselham os termos porque se devem haver com seus amantes até os obrigar a que lhes sejam maridos.