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CARTA DE GUIA DE CASADOS
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De má vontade direi (mas enfim o digo) que se pode dissimular a uma filha, quando se saíba é bem vista de tal pessoa, que lhe estará bem para marido. Mas devem ser tais os modos porque esta dissimulação possa ser lícita, que tenho o achá-los por impossível. Aconselhará neste caso o ânimo de cada um.

Vem agora aqui o casar a furto, que chamamos, e contra a vontade dos pais. Isto é em duas maneiras : em acção, ou em paixão, em acção casando o filho, em paixão sendo a filha casada.

Ao homem que seu filho se casasse bem, ainda que contra vontade de seus pais da mulher com que casasse, aconselhára que o sofresse, que de secreto o ajudasse, e se não desse por contente, nem descontente da acção daquele filho. Receitaria neste caso uma ausência, que é cousa utilíssima para negar ao juízo público a tristeza, ou alegria, quando delas não convém testemunho. E se fôsse antes do sucesso, seria maior prudência.

Ao homem que sua filha lhe fôsse levada para casar com o filho alheio, se assim fôsse que nisso não perdesse, aconselharia que se fôsse após dela, e se vencesse no pezar que lhe daria essa desobediência ; que nos mais é teima, e raiva, e nos menos verdadeira dôr.

Destas abominações entre os pais dos que assim se casam, nascem de ordinário inimizades, brigas, contendas ; e mais de ordinário públicos ditos, remoques, e desonras ; desenterram-se avós, publica-se o que se não sabia, vão os escândalos de monte a monte ; então no cabo de todos seus defeitos, verdadeiros, ou mentirosos, virem à praça, ei-los amigos.

O casar bem dos filhos pode absolvê-los da culpa de ser o desgôsto dos pais ; que obrigados eram a ter gôsto do aumento dos filhos. Finalmente o modo sem-