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CARTA DE GUIA DE CASADOS
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Êstes soem ser uns mal-estreados parentescos. Certo que já me pus a filosofar comigo sòmente, sôbre a causa desta desavença ; e outra não posso achar, salvo aquela que em outra diferente causa deu o mestre dos políticos, dizendo : Que aos grandes eram agradáveis as obrigações, enquanto as podiam pagar ; mas como cresciam mais, ainda em vez de amor causavam ódio.

Julgo que é tamanha a dívida que se tem aos sogros, e êstes aos genros, uns a outros os cunhados, tanto o amor que se deve a pessoas tam conjuntas, que porque se não pode pagar, se converte em aborrecimento.

Bem o mostra o estilo, que nos ensina, vendo chamar pais aos sogros, filhos aos genros, aos cunhados irmãos. Quanto é aqui, assaz está expressa a obrigação ; mas assaz mais expressa a ingratidão dêstes, e aqueles, pelo que estamos vendo.

Queixava-se uma senhora viúva da grande amizade que tinha um seu filho com certo fidalgo, em que a ela parecia não ganhava êle muito ; de que recebia desgôsto. Entrou-lhe por casa um criado pedindo alviçaras ; e perguntando-lhe de que ? respondeu : De que meu senhor quebrou já com fulano, porque lhe casa com uma filha.

Como me não encarreguei de dar a razão, só procurarei dar o remédio para que nunca tal abuso se pratique.

Diga-me v. m. Se um homem lavrasse com grandes despesas uma quinta, durasse nesta obra muitos anos, gastasse nela seu tempo, e sua fazenda, lhe saísse em tudo perfeita, e logo, ela acabada, se fôsse a casa de v. m. e lhe desse aquela propriedade, lhe vinculasse outras, e de tudo o metesse de posse, ¿ que faria v. m. ? ¿ Que digo eu ? v. m. ? ¿ Que faria a mais ingrata pessoa