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CARTAS DE AMOR

D. Brites perseguiu-me, há alguns dias, para fazer-me sair do meu aposento, e julgando divertir-me, levou-me à varanda donde se vê Mértola…

Segui-a, sim; mas ali fui assaltada imediatamente por uma cruel lembrança, que me fez derramar lágrimas todo o resto do dia.

Reconduziu-me; e apenas chegada deitei-me sôbre a cama, aonde fiz mil reflexões sôbre a pouca aparência que vejo de jàmais sarar… Tudo que fazem, para aliviar-me, exaspera a minha dôr, e nos mesmos remédios acho motivos particulares de afligir-me…

Naquele logar te vi passar muitas vezes com um garbo e gentileza que me encantavam. Achava-me sôbre esta varanda no dia fatal em que comecei a sentir os primeiros efeitos da minha desditosa paixão.

Pareceu-me que desejavas agradar-me, ainda sem me conheceres.

Persuadi-me que me tinhas distinguido entre tôdas as minhas companheiras.

Imaginei, quando te demoravas, que tinhas gôsto de que eu admirasse a destreza e bizarria com que arremessavas o teu cavalo. Surpreendeu-me mesmo o susto que experimentei, quando o fizeste passar por um sitio escabroso.

Enfim, interessava-me secretamente em tôdas as tuas acções.

Bem sentia que não me eras indiferente, e tomava para mim tudo o que fazias.

Tu conheces em demasia as conseqüências dêstes começos, e ainda que não tenha a guardar respeitos, não devo contudo referir-tas, receando de aumentar os teus crimes, e de argüir-me de tantas diligências inúteis para obrigar-te a ser-me fiel…