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CARTAS DE AMOR
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Mas entregava-me tôda a ti, e não me achava em estado de pensar no que podia amargurar o meu júbilo, e impedir-me de gozar plenamente das fervorosas demonstrações da tua afeição.

Sentia demasiada satisfação de estar contigo, para poder lembrar-me de que um dia te acharias longe de mim.

Lembra-me, contudo, de haver-te dito algumas vezes que me farias desgraçada, mas êstes receios desvaneciam-se imediatamente, e comprazia-me em fazer-te dêles o sacrifício, e em abandonar-me ao encanto e à má fé das tuas protestações.

Diviso mui bem qual seria o remédio eficaz para os meus males, e dêles me veria cedo livre, se cessasse de amar-te; mas aí de mim! que remédio cruel!…

Não. Antes quero sofrê-los, e muitos mais ainda, do que esquecer-te…

Ai! ¿depende isso de mim?

Não posso acusar-me de ter um só momento desejado não te amar.

Pode-se ter de ti mais dó que de mim; mais vale padecer quanto padeço, do que gozar dos lânguidos prazeres que te dão as tuas amigas de França.

Não invejo a tua indiferença, — fazes-me lástima!…

Desafio-te a esquecer-me inteiramente…

Lisonjeio-me de te haver reduzido ao estado de não teres sem mim gôsto que não seja imperfeito, e sou mais feliz do que tu, porque tenho mais ocupação.

Há pouco tempo nomearam-me porteira neste convento.

Tôdas as pessoas que tratam comigo presumem que estou louca. Não sei o que lhes respondo e é necessário que as Religiosas sejam tam insensatas como