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CARTAS DE AMOR

Que desprêzo tinha para tôdas as cousas!…

O teu procedimento não é de um homem honrado…

A não teres tido aversão natural para mim, era forçoso que me amasses descomedidamente.

Deixei-me encantar por qualidades muito medíocres!…

¿Que obraste tu jàmais que houvesse de agradar-me?…

¿Que sacrificíos me fizeste?…

¿Não correste após mil divertimentos?…

¿Descontinuaste porventura o jôgo e a caça?…

¿Não foste tu o primeiro a partir para o exército?…

¿Não foste o derradeiro a de lá voltar?… Expuseste ali loucamente a tua vida, apesar de haver-te rogado tanto de a poupar por amor de mim…

Não procuraste com diligência os meios de estabelecer-te em Portugal, aonde eras estimado.

Uma carta de teu irmão decidiu-te a partir, sem a menor hesitação.

¿E não soube eu que durante a viagem conservaste a mais alegre disposição?

Forçoso é o confessar que tenho obrigação de aborrecer-te mortalmente.

Ah! eu mesma careei tôdas as minhas desgraças…

Acostumei-te logo no princípio a uma grande paixão com demasiada candideza, e é necessário artificio para ser amada.

É necessário procurar com destreza os meios de inflamar: — o amor por si só não chama amor.

Pretendias que eu te amasse, e como tinhas formado êste desígnio, estavas resoluto a empregar todos