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CARTAS DE AMOR

as minhas penas, e que só me lembro de ti quando muito quero lembrar-me!

Convenho em que tens grandes vantagens sôbre mim, e que me inspiraste uma paixão que me fez perder todo o siso, mas pouco deves vangloriar-te disto…

Era joven, era crédula, tinham-me encerrado desde a infância neste convento; aqui não tinha visto senão gente desagradável; jàmais tinha ouvido os louvores que me davas continuadamente; parecia-me que te devia os atractivos e a beleza que dizias admirar em mim, e que me fazias conhecer; ouvia dizer muito bem de ti; todos me falavam em teu favor, tu fazias tudo para espertar o amor…

Mas, enfim, quebrei êste encanto… verdade é que me déste poderosos auxílios, e confesso que dêles tinha extrema necessidade.

Ao remeter-te as cartas, que tinha toas, guardarei cuidadosamente as duas últimas, e as tornarei a lêr ainda mais vezes do que li as primeiras, como preservativo de recair nas minhas fraquezas. Ah! quanto estas me custam caro, e quanto teria sido feliz se houvesses querido sofrer que eu te amasse sempre!…

Conheço mui bem que ainda com alguma demasia atendo à tua infidelidade e às minhas argüições queixosas; mas recorda-te que eu me tenho prometido um estado mais sossegado, e que hei-de alcançá-lo, ou hei-de tomar contra mim alguma resolução violenta, cujo êxito conhecerás sem muito desprazer…

Mas de ti nada mais quero…

Sou uma insensata em repetir-te as mesmas cousas tantas vezes…