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vez a chave ao pescoço; mas o mouro quando voltou ao palacio foi ver a dita chave e viu que ella tinha uma mancha de sangue. Então, sem dar uma só palavra, cortou a cabeça á pobre rapariga, e foi deital-a na mesma sala aonde ella tinha entrado. Voltando ao colhereiro sabereis que elle foi ter com o mouro para que lhe désse noticias da filha, e elle lhe respondeu:» Vai buscar a tua filha do meio para vir fazer companhia á que cá está, pois ella anda muito triste com saudades d'ella. Trouxe o colhereiro a filha, e a ella succedeu-lhe o mesmo que tinha succedido á sua irmã. Restava ao colhereiro só a filha mais nova, mas como o mouro lhe ordenasse que lh'a levasse tambem, levou-lh'a. Logo que ella chegou, o mouro fez-lhe as mesmas recommendações que tinha feito ás outras irmãs.

A rapariga entrou na sala dos mortos e viu as irmãs degoladas, mas notou que ellas ainda estavam quentes e teve desejos de as tornar á vida. Na mesma sala havia um armario contendo pucarinhos com o sangue dos mortos; então ella vendo dois pucarinhos com o nome das irmãs, pegou nas cabeças d'ellas, juntou-lh'as aos corpos e despejou-lhe o sangue no pescoço; e logo as irmãs tornaram á vida. Depois recommendou-lhe que não fallassem que ella havia de arranjar meio de as mandar para casa do pae. As irmãs recommendaram-lhe que limpasse a chave para o mouro não saber o que ella tinha feito. Voltou o mouro a casa e de nada desconfiou, e começou então a amar muito a rapariga a pontos de se deixar dominar por ella. Um dia pediu-lhe ella que fosse elle levar uma barrica de assucar ao seu pae, pois estava muito pobre; o mouro disse logo que sim. Ella então metteu uma das irmãs dentro da barrica, e disse ao mouro que fosse depressa, que não parasse no caminho que ella o ia ver do mirante.

O mouro partiu, e ella ordenou á irmã que fosse dizendo pelo caminho estas palavras: «Eu bem te vejo,» para o mouro julgar que era ella que lhe falava do mirante. A rapariga dizia: «Eu bem te vejo, eu bem te