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XVII

rãao ataa o galo cantante e que lhe non encubrisse todo o que lhe acontecesse e se esto non fezesse que o non tomaria por marido. E elle fez assy como lhe a dona mandou. E viu sayr da cova o mercador e ficou os geolhos em terra e disse tres vezes: «Senhor Jesus Christo, que és Justo juiz, e que vees todalas cousas, posto que sejam feitas escondidamente, da a mym vingança d'este cavaleyro que me matou e tomou-me todalas cousas per que viviamos eu e minha molher e meus filhos.» E ouvyo huma voz que lhe disse: «Eu te digo e prometto em verdade que se elle nom fezer peendença em triinta annos, que eu te darey d'elle tal vingança que sera a todos exemplo.» E tanto que esto foy dito tornou-se o morto pera sua cova. E o cavaleyro muy espantado e tornou-se pera a dona e contou-lhe todo o que vira e ouvyra. E ella recebeo-o por marido e ouve d'elle filhos e filhas. E ella lhe dizia muyto a meude cada dia que se lembrasse do espaço que lhe fora dado pera fazer peendença. E este cavaleyro fez em huu seu monte hũas casas muy nobres e muy fortes. E estando elle hũu dia em aquelle loguar comendo com sua molher e com seus filhos e com seus netos em grande solaz com a boa andança d'este mundo, veo hũu jograr e o cavaleyro feze-o asseentar a comer. E emtanto elle comya, os sergentes destemperarom o estormento do jograr e huntaram-lhe as cordas com grussura. E acabado o jantar tomou o jograr o seu estormento pera tanger e nunca pode temperar. E o cavaleyro e os que estavam com elle começarom escarnecer do jograr e lançaram-no fora dos paaços com vergonça. E logo veeo hũu vento grande como tempestade, e soverteo as casas e o cavaleyro com todolos que hy eram. E foy feito todo hũu grande lago. E parou mentes o jograr tras sy e vyo em cima do lago andar hũas luvas e hũu sombreyro nadando, que lhe ficarom em-na casa do cavaleyro quando o lançarom fóra.»

Encontram-se na Asia, na Africa, em muitos paizes da Europa lendas da subversão ou conversão em lagos de palacios, aldeias; mas não achámos ainda prova palpavel de que o monge d'Alcobaça tivesse simplesmente referido uma lenda extrangeira e não redigido uma tradição popular portugueza; a existencia do conto ou lenda do Minho que adeante publicamos, parece, pois remontar á edade media na tradição portugueza.

A novellistica culta de fundo tradicional é um dos ramos mais pobres da nossa litteratura; por essa razão a historia dos contos populares entre nós não se póde estudar com a clareza que haveria se tivessemos numerosos documentos do genero do que trasladamos. O Orto do Es-