XIX
nos, que o marido pescador lh'os trouxera pequeninos nascidos d'aquelle dia e ella com ajuda da mulher d'outro pescador os creara.
Seguindo ao longo da ribeira á busca de caça o rei viu sahir d'entre umas lapas uma mulher rôta, de cabellos crescidos e desgrenhados, que tentou fugir; mas alcançada pelo rei, depois contou que fôra creada com a rainha expulsa, e com ella e suas irmans fôra para o paço e que tendo a rainha dado á luz um formoso menino ella por instigações das irmans da rainha, tomara a creança envolta em ricos pannos e que, em quanto havia grande revolta no paço, porque as más irmans deitaram um sapo grande com as pareas e deitaram a corrêr dizendo que aquillo déra á luz a rainha, fôra ella, não lançar ao mar a creança como lhe tinham ordenado, mas deixal-a entre as lapas d'onde viu levantal-a um pescador. O mesmo succedeu com os outros dous filhos da rainha, que tinham sido substituidos um por uma cobra e o ultimo que era menina por uma toupeira; ambos recolhera o mesmo velho pescador assim como fizera ao primeiro, tendo tentado reter a portadora que se lhe escapara e que, de mêdo que ella fosse ao paço e a reconhecesse, ficara alli vivendo d'hervas entre aquellas pedras.
O rei mandou chamar as más irmans á sua presença e ellas vendo o seu crime descoberto precipitaram-se ao mar. Promettera a mulher do pescador que iria ao rei dar mais informações ácerca dos meninos que achara, e o rei reconheceu por todos os signaes que eram os seus proprios filhos.
A menina que o pescador levava comsigo, assim como os irmãos, tanto que a poseram no chão fugiu da supposta mãe e metteu-se entre as pernas do pae, dizendo: «Ha, ha, agora sim que está aqui meu pae, não quero ir comvosco.»
O rei perdoou á creada que exposera as creanças e concedeu grandes mercês aos paes adoptivos.
Fizeram-se buscas por todo o reino e a nova do descobrimento dos filhos do rei chegou ao convento, onde estava a rainha, cuja alegria foi tanta que as freiras suspeitaram fosse ella a rainha; esta declarou-lhes a verdade e pouco depois foi-a buscar o rei.»
O conto de que acabamos de condensar a versão dada por o novellista portuguez acha-se muito espalhado; podemos mencionar as seguintes versões, das quaes as duas primeiras teem um caracter litterario, e as outras são perfeitamente populares.[1]:
1. Arabe, Historia das duas irmãs invejosas nas Mil e uma noites;
- ↑ Marcamos com o asterisco as versões que não pudemos estudar; grande parte d'ellas são indicadas por R. Köhler, nas notas á versão avarica.