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porém, assaz da do novellista italiano para que possamos consideral-a como independente d'ella. Resta ainda a possibilidade d'uma fonte litteraria desconhecida. As formas populares reunidas por nós desviam-se tambem muito da versão do nosso novellista, que tirou ao conto quasi todo o maravilhoso.

A facecia n.º LXVI da presente collecção, que serve de explicação popular aos proloquios: quem não te conhecer que te compre, ou quem te conhecer que te compre, ou ainda quem não te conhecer que te compre, saberá a besta que leva, era corrente no seculo passado, como nos mostra a versão que d'ella dá Bluteau a proposito do mencionado proloquio:

«O caso foy, que estando huns Estudantes na ponte de Coimbra, a tempo que passava um homem com seu jumento carregado, o qual levava pelo cabresto, se chegou hum dos Estudantes ao jumento, e tirando-lhe o cabresto sutilmente, o meteo na sua cabeça, e foy seguindo o homem, que hia puxando por elle; os mais Escholasticos com diligencia esconderão o asno, que ficou solto; e o Estudante encabrestado, vendo que já o jumento estava escondido, não quiz andar mais adiante, e entendendo o pobre homem, que o burrico para seguir a viagem necessitava de quatro pauladas, virou para traz, e vendo que levava pelo cabresto hum Estudante, ficou assustado com o tal objecto; n'este tempo o Estudante lhe disse: Meu Senhor, vossa mercê não se espante, porque eu sou hum homem bem nascido, mas por fado ando ha muitos annos com a forma e figura, que até agora me vio; mas neste instante foy Deos servido, que o meu triste fadario se me acabasse, e assim lhe peço, que n'este caso me guarde segredo para que se me não saiba a falta, e me perdoe o que lhe faço do dinheiro que por mim deu, e o serviço que lhe faria. O simples homem entendendo que era isto verdade, lhe respondeu: Senhor Estudante, não permitta nosso Senhor, que uma alma Christã padeça tão grandes tormentos, e entenda, que não só me não dá pena, mas grande gosto em o ver livre de tão triste fado; e com isto se foy cada qual buscar sua vida. Os velhacos dos Escholasticos não se contentando com a carga que o jumento levava, o levarão á feira a vender, e vendo-o o dono, que lá se achou, para comprar outro, e conhecendo-o perguntou a quem o levava, se vendia aquelle jumento, e lhe responderão que sim, e entendendo o Villão que o Estudante se tinha outra vez convertido em burro, pedio licença ao que o levava para dar em cortezia uma palavra áquelle jumento, o que sendo-lhe con-