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XXVII

litteraria. Era preciso uma grande divulgação litteraria e já muito antiga para explicar a generalisação dos mesmos contos populares, em todas as provincias de Portugal, em todas provavelmente da Hespanha.

Alludimos acima (pag. XIII) ás versões peninsulares do conto ou lenda de Fridolin (pagem queimado no forno). Essas versões (que não são as unicas que se encontram aquem Pyrineus) parecem indicar pela sua completa localisação que os seus redactores as beberam na tradição popular. Em Coimbra corre ella ainda hoje na bocca do povo com relação á Rainha Santa Izabel; é verdade que poderia ser uma derivação da redacção escripta por intermedio da predica; mas a versão de Affonso X attesta a sua antiguidade na peninsula, a qual se póde ainda verificar em relação a outras narrações que se encontram tambem no Oriente. A narração portugueza tem taes relações particulares com a hespanhola que parecem derivar ambas da mesma fonte immediata. Eis as duas:

Como o coração de ElRey andava neste tempo cégo do amor illicito, sendo que a Santa Rainha era hũa mulher forte, teve d'ella desconfiança, porque nem a Magestade está segura da calumnia no Paço, aonde he ouvida a inveja; servia n'elle hum Pagem de quem a Santa Rainha, por razão de sua vida virtuosa, fazia confiança particular servindo-se do seu modesto silencio, para obras de sua occulta charidade, e sentindo outro que ella fizesse o favor à virtude, que pertendia a emulação, insinuou a ElRei, que aquelle agrado nascia da infidelidade, e não do merecimento, e sendo que a santa honestidade da Rainha Santa era irrefragavel prova de sua inviolavel fé, devendo ElRey castigar a ousadia, creo a impostura, porque a má disposição de seu animo, facilitou a credulidade do agravo, e determinou tirar ao innocente a vida, a quem a malicia tinha imputado a injuria; para que a vingança se tomasse com cautela, chamando em segredo hum homem que tinha a seu cargo