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XXXI


Quando viu el conde aquele que chegara
Ant'ele viv'e soube de como queimara
O caleir'o outro que aquele mezcrara,
Teve-o por cousa d'oyr muit' espantosa

Non pode prender, etc.

E disse chorando: «Virgen, beneita sejas,
Que nunca te pagas de mezcras, nen d'envejas,
Por en farei ora per todas tas egrejas,
Contar este feito, e como es poderosa.

Non pode prender, etc.

A Disciplina clericalis, o Calila e Dymna, o Conde de Lucanor, o Libro de los engannos et los asayamentos de las mugeres e outras obras similhantes da litteratura medieval de Hespanha, monstram-nos á evidencia os arabes da peninsula como um dos vehiculos dos contos para a nossa tradição, quer directamente, quer por meio da litteratura. Esse canal está bem longe de ser o unico. Alguma cousa deveria ter ficado ainda da tradição greco-latina. Em verdade o nosso conto n.º XLIV tem intimas relações com o de Psyque e Amor no Metamorphoseon de Apuleu (lib. IV, V e VI), o n.º L é uma versão da historia de Midas (vid. Positivismo, I, fasc. 1 e 2); uma historia como a de Rhampsnito contada por Herodoto (II, 121, 122) é contada pelo povo sendo o thesouro do rei egypcio substituido pela casa da moeda; a historia da filha que amamentou o pae, referida por Valerio Maximo, é corrente no Minho; o nosso povo sabe algumas fabulas como as de Esopo e Phedro; mas esses factos não attestam uma tradição ininterrompida entre nós que remonte directa ao tempo do dominio romano; essas narrações podem-nos ter vindo na edade media ou ainda nos tempos modernos pelos mesmos canaes porque nos chegaram outras que por certo não provéem da antiguidade classica. Esperamos provar que ha entre alguns contos portuguezes e contos correspondentes italianos relações particulares, que fazem suppôr que