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Olha; bebemos a agua; enchemos a barriga e depois vamos mijar e assim tiramos a agua do poço.»

Foram beber, mas a raposa não bebia quasi nada porque apenas tinha bebido alguma agua dizia: — «Ai, tenho a minha barriga tão cheia.» Mas o pobre do lobo bebia muito e tanto bebeu que arrebentou e morreu.

Depois a raposa juntou-se e mais a garça para fazerem um caldo de farinha; a garça fez o caldo n’uma almotolia; metteu o bico e bebeu tudo, porque a raposa não podia bebel-o pela almotolia. Depois a garça disse-lhe: — «Tu já me convidaste para a tua boda; agora vou-te eu convidar para uma boda que ha no ceo.» — «Eu como hei de ir?» — «Vaes nas minhas azas.»

Foi; a garça assim que estava mais enfadada disse-lhe: — «Tem-te, comadre, emquanto eu escupo[1] em mão.» Larga a raposa e esta quando vinha a cair dizia

— «Isto vae de déo em déo;
Se eu d’esta escapo
Não torno ás bodas ao céo.»

Estava da banda de baixo um penedo grande e ella disse: — «Arreda, lage, que te parto.» N’isto caiu sobre a fraga e arrebentou.[2]

(Ourilhe.)


  1. Corrupção por cuspo.
  2. Quasi todos os episodios que formam o conto anterior se encontram separados em contos independentes ou ligados a outros differentes; as variantes offerecem-se em grande numero, mas ou menos curiosas. O cyclo popular do Renard é talvez mais vasto no meu paiz do que se pode julgar pelo que d’elle tenho colhido. Os contos seguintes, com quanto offereçam apenas variantes de episodios do antecedente, julgamos dever publical-os por inteiro.