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lhe para uma certa fonte disse-lhe: — «Tu não me deixes chegar o cavallo áquella fonte, senão eu mato-te.»

Não passava ninguem ao pé que não gabasse o cavallo; o cavallo queria beber, saltava muito e todos pediam ao rapaz que deixasse ir beber tão lindo animal. O cavallo assim que apanhou o rapaz descuidado saltou por cima d’elle e foi para a fonte e fingiu-se n’um peixe e metteu-se por a fonte dentro. Chegou o amo e não vendo o cavallo ficou muito zangado; ralhou muito com o rapaz; ajuntou-se gente que disse: — «Ele não teve culpa, porque o cavallo saltou por cima d’elle, fez-se n’um peixe e metteu-se por a fonte dentro.»

N’isto o amo fingiu-se n’uma lontra; metteu-se por a fonte dentro para comer o peixe; o peixe fingiu-se n’uma pomba e fugiu; a lontra fingiu-se n’um milhafre para comer a pomba; quando o milhafre ia quasi a apanhar a pomba ella viu umas senhoras n’uma janella, fez-se n’uma maçã e caiu na aba[1] d’uma das senhoras. O milhafre fez-se em homem e começou a pedir a maçã ás senhoras. Ellas disseram-lhe que não lh’a davam, que aquella maçã tinha caido do céo. Então o homem disse para ellas: — «Oh minhas senhoras, deem-me essa maçã, que eu morro se não m’a derem.» E poz-se a chorar e tanto pediu que ellas iam a dar-lh’a; n’isto a maçã fingiu-se em painço e caiu-lhe d’entre as mãos. O estrujeitante fingiu-se n’uma gallinha de pintos para comer o painço e o painço juntou-se muito juntinho e formou-se n’uma raposa, que comeu a gallinha e os pintos. Depois d’isto fez-se em homem e foi para casa. Disse-lhe o pae: — «Ai filho, que demoraste tanto!» — «Olhe, meu pae, você podia ficar rico, mas mil forcas que eu tivesse poucas eram para o enforcar, porque você pela sua fraqueza de vender o freio foi a causa de eu vêr a morte muitas vezes ao pé de mim.»

(Ourilhe)


  1. Regaço