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No dia que a madrasta de Maria quiz que se matasse a vaquinha, a moça se offereceu para ir lavar o fato no rio. A madrasta lhe disse com desprezo: «Ô chente! quem havia de ir se não tu, porca?» Morta a vacca, a Borralheira seguiu com o fato para o rio; lá achou nas tripas a varinha de condão, e guardou-a. Depois de lavado o fato botou-o na gamella e largou-a pela correnteza abaixo, e a foi acompanhando. Adiante encontrou um velhinho muito chagado e morto de fome e sujo. Lavou-lhe as feridas, e a roupa, e deu-lhe de comer. Este velhinho era Nosso Senhor. Seguiu com a gamella. Mais adiante encontrou uma casinha muito suja e desarrumada, e com os cachorros e gatos e gallinhas muito magros e mortos de fome. Maria Borralheira deu de comer aos bichos, varreu a casa, arrumou todos os trastes e escondeu-se atraz da porta. D'ahi a pouco chegaram as donas da casa, que eram tres velhas tatas.[1]

Quando viram aquelle beneficio, a mais moça disse: «Manas, faiemos; faiemos, manas: permitta a Deus que quem tanto bem nos fez lhe appareçam uns chapins de ouro nos pés.» A do meio disse: «Manas, faiemos, manas; permitta a Deus que quem tanto bem nos fez lhe nasça uma estrella de ouro na testa.». A mais velha disse: «Faiemos, manas: permitta a Deus que quem tanto bem nos fez, quando fallar lhe sáiam faiscas de ouro da bocca.» Maria, que estava atraz da porta, appareceu já toda formosa com os chapins de ouro nos pés, e estrella de ouro na testa, e quando fallava sahiam-lhe da bocca faiscas de ouro. Amarrou um lenço na cabeça, fingindo doença, para esconder a estrella, e tirou os chapins dos pés, e foi-se embora para casa. Quando lá chegou, entregou o fato e foi para o seu borralho. Passados alguns dias, as filhas da madrasta lhe viram a estrella e perceberam as faiscas de ouro que lhe sahiam

  1. Gagas, tartamudas.