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tregar o annel ao rei, que ficou mais desesperado, e lembrou-se de lhe dar um maior trabalho:

— Hoje de tarde hasde sahir no meu poldro, para o ensinares.

O principe foi para o seu quarto e tornou a chamar pela pombinha, que lhe respondeu:

— Olha, o meu pae quer vêr se te mata por algum feitio; porque o poldro é elle mesmo, o selim é minha mãe, minhas irmãs são os estribos, e eu sou o freio. Não te esqueças de levar um bom cacete porque pódes consolar-te com uma carga de pau n’elles.

O principe montou no poldro, moeu-o com pancadas, e taes coisas fez que quando recolheu a casa e foi dar parte ao rei que o poldro estava manso, achou o rei de cama todo em pannos de vinagre, a rainha feita n’uma salada, as filhas derreadas, menos a mais nova. N’essa noite foi ella ter com o principe e disse-lhe:

— Agora, que estão todos doentes é que é boa occasião de fugirmos; vae á cavalhariça e aprompta o cavallo mais magro que lá achares.

O principe cahiu na asneira de apromptar o mais gordo. Quando se pozeram a caminho, e ella viu o cavallo gordo ficou muito contrariada, porque este cavallo andava como o vento, e o magro andava como o pensamento. Mas sempre fugiram. De noite o rei precisou da filha para o virar, e chamou por ella; nada. A rainha, que era refinada bruxa, pescou logo que a filha tinha fugido com o principe, e disse ao marido que saltasse já fóra da cama e que os fosse apanhar. O rei levantou-se a gemer com dôres, foi á cavalhariça e quando viu o cavallo magro ficou seguro de pilhal-os. Montou e partiu. A filha, que ia sempre desconfiada que déssem pela falta d’ella, avistou de longe o pae, e de repente transformou o cavallo em uma ermida, a si em uma santa e o principe em um ermitão.

Chegou o rei ao pé da capellinha, e perguntou se não