Página:Contos Tradicionaes do Povo Portuguez.pdf/175

Wikisource, a biblioteca livre

golpe, corta-lhe uma orelha, e metteu-a na algibeira. Assim que derramou sangue a menina desencantou-se, e elle mostrou-lhe a outra bola de vidro. Então ella contou-lhe que estava com sua irmã encantada, e que eram filhas de um rei, e deu-lhe tambem o annel da sua memoria, para não poder ter falla para outra pessoa senão a elle. Bengala de dezeseis quintaes metteu-se com a princeza no cesto, e deu signal para o içarem. Os companheiros ficaram muito contentes; e vae elle viu que se tinha esquecido da bengala no poço, e disse que esperassem um bocadinho emquanto a ia buscar. Assim que os outros o apanharam a meio do poço largaram cordas e tudo e elle cahiu lá em baixo; safaram-se ambos com as duas princezas. O rapaz viu-se perdido, porque não podia sahir do poço; mas lembra-se da orelha do moléquinho, e ferra-lhe uma dentada. Appareceu-lhe logo o das botas vermelhas:

— O que é que tu queres?

— Quero que me leves d’aqui para fóra.

O moléquinho transformou-se logo n’um bode e subiu pelo poço até meio caminho; depois tornou a cair:

— Só te boto lá em cima, se me deres a minha orelha.

— Pois sim.

Foi n’um prompto. Assim que Bengala de dezeseis quintaes se achou cá fóra, moléquinho a dizer:

— Dá-me a minha orelha.

— Só t’a dou, se me levares para onde foram os meus companheiros.

O moléquinho transformou-se logo n’um begueiro, e foi por ahi fóra dar ao palacio do rei. Havia lá festa, porque o rei estava muito contente por se terem desencantado as filhas, e já se tratava das festas do casamento d’ellas com os dois homens. Mas o rei tinha muita pena das filhas serem mudas. Disse o jumentinho ao da Bengala:

— Da-me agora a minha orelha!