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investigarem contos que tenham paradigmas nas referidas collecções; para o elemento oriental temos as notas ao Pantchatantra de Benfey; a traducção de algumas Novellas de Straparola, por Schmidt, acompanhada por notas, bem como as notas de Grimm e as comparações com os contos russos por Gubernatis, não deixam ter vaidades sobre este indispensavel apparato critico. Ha monographias especiaes, como a de Gaston Paris sobre o Petit Poucet, de Comparetti sobre o Sindabad, de Max Müller sobre a Bilha de Leite e Baarlam e Josaphat; sobre Os dois irmãos, por Lenormant; a das Trez cidras do amor, por Stanislau Prato, bem como de Liebrecht sobre o mytho de Psyche. Hoje o difficil é não nos aproveitarmos do trabalho dos outros.

Os contos tradicionaes são immensamente sympathicos ás crianças, e já Platão os considerava como um excellente meio de educação. No seu tratado da Republica escrevia: «Tu não sabes que os primeiros discursos que se dizem ás crianças são fabulas!... Consentiremos que ellas ouçam toda a casta de fabula forjada pelo primeiro que se aproxima? Recommendaremos ás amas e ás mães para só contarem aquellas que forem escolhidas e servir-se d’ellas para lhes formar as almas com mais cuidado do que o que empregam em tratar-lhes dos corpos.» [1] Este emprego foi sempre seguido nas escólas greco-romanas, como se vê pela transmissão das fabulas esopicas, adaptaram-no os prégadores da edade media nos sermões com Exemplos, e ainda Mme De Beaumont o generalisou no fim do seculo XVIII. O intuito pedagogico desnaturou o conto com o exclusivo fim moral; perdeu-se a intuição da belleza tradicional, da singeleza popular, e a poesia espontanea do passado achou-se substituída pela invenção pedante dos mestres. Só depois da renovação da Pedagogia como sciencia applicada da Psycho-

  1. Trad. Cousin, t. IX, p. 105 e 106. Du-Méril, Fable esopique, p. 32