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O velho respondeu-lhe:

— Só tem um meio de poder casar com minha filha, e voltar para casa.

— Qual?

— Vá ao inferno, e traga-me tres anneis que o diabo tem no corpo, dois debaixo dos braços, e outro n’um olho.

O rapaz achou aquillo impossivel; mas que remedio teve senão pôr-se a caminho. Na primeira terra a que chegou, pregou um edital em que dizia: «Quem quizer alguma cousa para o inferno, ámanhã parte um mensageiro.» Isto causou grande curiosidade, até que chegou aos ouvidos do rei, que mandou chamar o rapaz. Perguntou-lhe o rei:

— Como é que você vae ao inferno?

— Real senhor, por ora ainda não sei; ando em procura d’elle, e irei lá, dê por onde dér.

— Pois bem, disse o rei, quando encontrares o diabo, pergunta-lhe se elle sabe de um annel de muito valor que eu perdi, e do que ainda tenho grande desgosto.

Chegou o rapaz a outra terra e botou o mesmo annuncio. O rei tambem o mandou chamar:

— Tenho uma filha que padece uma doença muito grande, e ninguem lhe acerta com o mal. Já que vaes ao inferno quero que saibas por lá onde é que estará a cura.

O rapaz partiu sempre á procura do inferno, e foi dar a uma encruzilhada em que estavam dois caminhos, um com pégadas de gente, e outro com pégadas de ovelhas. Pensou, e por fim seguiu pelo caminho das pégadas de gente; ao meio d’elle encontrou um ermitão, de barbas brancas, que resava em umas contas muito grandes, e lhe disse:

— Ainda bem que tomaste por este caminho, porque esse outro é o que vae para o inferno.

— Oh senhor! e eu ha tanto tempo que ando á procura d’elle!