Página:Contos Tradicionaes do Povo Portuguez.pdf/194

Wikisource, a biblioteca livre

na certeza de que elle iria a morrer como os outros que tinham vindo campar por espertos. Chegou a hora da audiencia, e veiu a princeza; o toleirão disse-lhe esta adivinha:


— Atirei ao que vi,
Matei o que não vi;
Antre palavras de Deus
Assei e tudo comi.


A princeza ouviu, tornou a ouvir, e pediu tres dias para dar a explicação. O tolo ficou no palacio á espera da resposta, comendo e bebendo, de perna estendida, sem se lembrar que o podiam mandar matar. A princeza por mais voltas que deu ao miolo não atinava com a adivinha, e temendo de ter de casar com o tolo, mandou uma sua aia, muito em segredo, que lhe fosse pedir que dissesse como cousa particular o sentido da adivinhação. Foi a aia, mas o tolo disse que só se ella dormisse aquella noite no quarto com elle; ella não queria, mas como a princeza lhe prometteu muitas riquezas, sempre se sujeitou e foi. O tolo teimava em não dizer, emquanto ella não tirasse a camisa, porque a queria em leitão; depois disse umas cousas que não eram a verdadeira explicação, e quando a aia adormeceu, escondeu-lhe a camisa, de modo que de madrugada, quando ella se foi, não teve tempo de a procurar. A princeza não se contentou com a explicação e mandou outra dama; aconteceu tambem o mesmo. Por fim foi a propria princeza, fiada em que a não conhecia; mas elle logo viu pela marca da camisa quem era, e escondeu-lh’a tambem, mas d’esta vez disse a verdadeira explicação da adivinha. Acabados os tres dias ajuntou-se a côrte, e a princeza veiu e disse:

— A explicação da adivinha do aldeão é: Atirei ao que vi e matei o que não vi, é porque atirou a uma coelha que achou no caminho, a qual estava prenha, morrendo por isso os coelhinhos. Antre palavras de Deus assei e comi, é