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Página:Contos Tradicionaes do Povo Portuguez.pdf/206

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acontecer. Manda pôr na meza mais um talher, ainda que não seja senão como satisfação.

A noite correu no meio de dansas, até que os convidados foram para a meza; ao soar a primeira badalada da meia noite, bateu-se á porta; o rapaz tremendo foi vêr quem era e recuou, abrindo. A mirra entrou vagarosamente, e dirigiu-se para a meza, e sentou-se no logar que estava desoccupado. Comeu, comeu, comeu, e depois levantou-se e disse para o mancebo:

— Pois bem, já que fizeste o favor de me convidares para o banquete dos teus annos, tambem te peço que ámanhã a esta mesma hora vás cear commigo.

Ditas estas palavras partiu.

O rapaz ficou ainda mais aterrado do que de antes; não poude dormir, até que ao outro dia foi ter com o confessor para lhe contar o succedido.

— Não tens outro remedio senão ires; sae-te mais mal se faltares. O que te posso fazer é emprestar-te a capa com que digo missa para te defenderes.

Lá por alta noite o rapaz foi para o adro da egreja, a tremer como varas verdes; e ao dar da meia noite em ponto, o rapaz bateu á porta, e a mirra appareceu, e levou-o comsigo para dentro.

— Vês estas duas covas aqui?

— Vejo.

— Pois uma é a minha e a outra seria para ti; mas o que te vale é vires vestido como Christo. Mas sempre te digo que nunca mais brinques com os mortos.

O rapaz, sem saber como, achou-se fóra da egreja, como se acordasse de um pezadello, teve uma grande doença, e em toda a sua vida nunca mais brincou com os mortos.

(Algarve.)